Onde falta metro/ferrovia na Área Metropolitana de Lisboa? (Parte 1 - Introdução)

A mobilidade na Área Metropolitana de Lisboa (AML) tem sido um tema em debate nos últimos anos. Apesar de às vezes o debate estar desnecessariamente incendiado, é positivo ver a preocupação de partidos políticos sobre temas como a redução da velocidade nas ruas de Lisboa, se a expansão do Metropolitano de Lisboa deve ser com uma linha circular ou em laço, ou a resistência da sociedade civil à remoção da ciclovia da Almirante Reis.

Apesar de ser necessário o debate político sobre estes temas, não devemos esquecer que estas decisões são também altamente técnicas e devem ser fundamentadas com dados. Nesta análise, o objectivo é ajudar a informar o debate sobre mobilidade na AML, procurando áreas de elevada densidade residencial e onde se demora muito tempo a pé até uma estação de metro/comboio.

Porquê só comboio e metro?

Não é por acaso que tantas cidades de média ou grande dimensão apostam em comboios, elétricos de superfície, ou metropolitano subterrâneo. A tabela abaixo apresenta o número máximo de pessoas que passam por hora numa faixa de 3 metros de largura, usando números retirados da página 14 do Global Street Design Guide.

Tipo de faixa (largura: 3 metros) Pessoas por hora
Automóveis privados 600-1.600
Automóveis privados e autocarros frequentes 1.000-2.800
Ciclovia bidirecional 6.500-7.500
Autocarros em Faixas BUS 4.000-8.000
Pessoas a pé no passeio 8.000-9.000
Metro de superfície ou bus rapid transit 10.000-25.000

Alguns destes números podem não ser intuitivos - por exemplo, um passeio com 3 metros de largura permite a passagem de 8000 a 9000 pessoas por hora, o que é muito superior a uma faixa apenas usada por automóveis privados (600-1600 pessoas por hora). A nossa intuição diz-nos que quanto mais rápido andamos, mais pessoas podem passar por hora, mas um carro ocupa um espaço muito maior que uma pessoa a pé. Ou seja, as pessoas a andar a pé andam mais devagar, mas podem andar muito mais próximas umas das outras.

É claro que em certas circunstâncias se justifica a menor capacidade do transporte em carro privado, por exemplo na rede de estradas nacionais e de auto-estradas. Não faz nenhum sentido pensar em substituir uma auto-estrada por passeios, porque nunca teremos 8000-9000 pessoas por hora interessadas em fazer Lisboa-Porto pela A1 a pé. No entanto, em meio urbano, a densidade de pessoas é maior e as velocidades médias de um automóvel são bastante mais baixas devido a cruzamentos, passadeiras, trânsito, etc. Nesse sentido, um passeio no centro de uma cidade frequentemente move mais pessoas que uma faixa para carros.

Segundo esta tabela, o transporte em metro ligeiro de superfície consegue transportar, no mesmo espaço, cerca de 10 vezes mais pessoas por hora que o transporte feito em carros privados.

Exemplos da AML

Pegando num exemplo da própria AML, a capacidade da linha de Sintra é pelo menos de 16000 pessoas por hora. Isto porque cada comboio da linha de Sintra tem capacidade para 1600 passageiros, e à hora de ponta chegam a circular 10 comboios por hora nessa linha, isto num só sentido (basta consultar o site da CP). Para se mover o mesmo número de pessoas usando automóveis privados em meio urbano seria preciso usar 10 a 27 faixas de largura… para cada lado!

Um outro exemplo são os comboios do metropolitano de Lisboa, onde cada comboio tem uma capacidade de cerca de 1070 pessoas, segundo este artigo da Wikipedia - assumindo 4 carruagens não motoras e 2 carruagens motoras por comboio - e chegam a passar a cada 4 minutos e 35 segundos na linha Azul, segundo a página do próprio Metropolitano de Lisboa. Isto dá uma capacidade de cerca de 14000 pessoas por hora para cada lado.

É possível que em ambos os casos a capacidade real seja superior, se a infrastrutura não estiver a ser usada na sua capacidade máxima, por exemplo por falta de comboios, por limitações do sistema de sinalização, por falta de maquinistas, etc.

E os autocarros?

Quanto aos autocarros, podem ter a vantagem de um menor investimento inicial e de maior flexibilidade caso se queira mudar a rota. No entanto, dada a ausência de canais dedicados (faixas BUS e semáforos que fiquem verdes para um autocarro sempre que este se aproxime), especialmente fora do município de Lisboa, terão de se misturar com o trânsito geral. Nesse caso, permitem sensivelmente duplicar o número de pessoas movidas por hora em relação a apenas carros (para 1000-2800), o que é bastante menos que multiplicá-lo por 10 ou mais como se consegue com canais ferroviários.

Apesar destas vantagens do modo ferroviário dentro de áreas metropolitanas, não deixa de ser um modo que exige investimento elevado à cabeça, especialmente se for subterrâneo, e cujo traçado é difícil de mudar. É, portanto, importante decidir bem por onde ele deve passar, para que o investimento seja justificado.

Densidade populacional na AML

Olhemos então para a densidade populacional (ou seja, residencial) dentro da AML. Não podemos ter estações ferroviárias em cada esquina, pelo que faz sentido tê-las nas zonas onde haja procura elevada, ou onde se antecipa que haja essa procura no futuro.

Porquê densidade populacional? Os locais de trabalho e de estudo também geram viagens, certo? Certíssimo. A escolha de usar a densidade populacional é apenas por pragmatismo. Tanto quanto sei não há, em Portugal, dados abertos sobre os percursos feitos pelas pessoas nas suas deslocações quotidianas. Também não conheço nenhuns dados sobre a densidade de postos de trabalho, que seria importante para esta análise.

No entanto, nos Censos de 2021, onde já estão disponíveis os dados provisórios, temos informação de número de residentes ao nível do quarteirão e do bairro. Podemos analisar a densidade populacional de cada bairro a partir destes dados, e procurar zonas de elevada densidade que estejam longe de estações de metro e comboio.

Para calcular a densidade populacional segue-se este processo:

  • Os dados provisórios dos Censos 2021 indicam, para cada bairro, quantas pessoas lá residem.
  • Para cada um dos 2399 bairros da AML, os Censos também nos indicam a zona do mapa que ocupam, permitindo assim calcular a área de cada bairro em metros quadrados.
  • Usando a população residente em cada bairro e a sua área, podemos calcular a densidade populacional de cada bairro.

O mapa que se segue mostra a densidade populacional num mapa 3D da AML. Quanto maior a altura de um bairro, maior a densidade populacional desse bairro. Pode fazer zoom com a roda do rato, clicar com o botão esquerdo para mover o mapa, ou com o botão direito para o rodar. Se passar o ponteiro do rato por cima de um bairro verá informações detalhadas sobre esse bairro - são os dados dos Censos.



Sabendo onde residem mais ou menos pessoas, podemos passar ao passo seguinte: incluir no mapa informação sobre ser fácil ou difícil usar modos ferroviários. Esse é o assunto da Parte 2.